No dia 17 de janeiro de 2021, a Diretoria Colegiada (DICOL) da ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, após votação unânime, aprovou o uso emergencial da vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica Sinovac em parceria com o Instituto Butantan e Covishield, produzida pela farmacêutica “Serum Institute of India” em parceria com a AstraZeneca, Universidade de Oxford e a Fiocruz.
Quanto a vacina CoronaVac, Meiruze Freitas, relatora da respectiva Diretoria Colegiada responsável pelo caso, condicionou a aprovação à assinatura de um termo de compromisso. A decisão da aprovação do uso emergencial da vacina foi publicada às 22h00 do dia 17 de janeiro de 2021 em edição extra do "Diário Oficial da União", acompanhada do termo de compromisso entre a ANVISA e Butantan.
O termo de compromisso foi assinado pelo diretor-presidente da ANVISA, Antonio Barra Torres, pelo diretor do Butantan, Dimas Covas, e pelo corresponsável técnico do instituto, Cleber Augusto Gomes. O documento determina que até o dia 28 de fevereiro de 2021, seja realizada e apresentada à ANVISA a continuidade dos estudos de imunogenicidade para complementar as informações referentes à imunidade conferida aos voluntários que receberam a vacina na terceira fase do desenvolvimento clínico.
Com o início efetivo da vacinação no Brasil após a aprovação, imperioso é a análise do entendimento firmado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 6586 e 6587 que tratam da vacinação contra a Covid-19, em face da Lei n. 13.979/2020, bem como do Recurso Extraordinário com Agravo n. 1267879, em que se analisou o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
A Lei n. 13.979 de 06 de fevereiro de 2020 dispõe sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública, a nível internacional, decorrente da pandemia do coronavírus, que entrou em vigor em 07 de fevereiro de 2020 e permaneceria em vigência enquanto o Decreto Legislativo n. 6/2020, que reconheceu o estado de calamidade pública, vigorasse.
Entretanto, embora a vigência do Decreto Legislativo supracitado tenha vencido em 31 de dezembro de 2020, o Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, em decisão proferida em 30 de dezembro de 2020 em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6625, sob sua relatoria, estendeu a vigência de dispositivos da Lei n. 13.979/2020, as quais estabelecem medidas sanitárias para combater à pandemia da Covid-19, por estarem em conformidade com a Constituição Federal.
Na referida legislação foi disposto no artigo 3º, inciso III, alínea “d” que para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata a Lei em comento, as autoridades poderão determinar realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas.
Em razão da referida previsão, o Partido Democrático Trabalhista e o Partido Trabalhista Brasileiro propuseram no mês de outubro de 2020, perante o Supremo Tribunal Federal, Ações Diretas de Inconstitucionalidades.
Na ADI n. 6586, o Partido Democrático Trabalhista postulou que o disposto no artigo 3º, inciso III, alínea “d”, da Lei 13.979/2020 seja interpretada conforme a Constituição, assegurando a competência dos Estados e Municípios para decidirem sobre a imunização compulsória contra a Covid-19, com o fim de evitar que os atos maledicentes perpetrados pelo Governo Federal violem os direitos fundamentais albergados pela Constituição Federal de 1988.
Na ADI n. 6587, o Partido Trabalhista Brasileiro postula que o disposto no artigo 3º, inciso III, alínea “d”, da Lei 13.979/2020 seja declarado inconstitucional porque viola dispositivos da Constituição Federal e ocasiona lesões irreparáveis aos direitos fundamentais, em especial ao direito à vida, à saúde e à liberdade individual. O partido afirma que as vacinas contra a Covid-19 estariam sendo produzidas com celeridade e, em muitos casos, sem transparência, o que impossibilita que sua eficácia e sua segurança sejam efetivamente comprovadas. Subsidiariamente, postula a realização de interpretação do dispositivo legal conforme a Constituição, para afastar a vacinação compulsória.
Sobre o tema, em sessão de julgamento iniciada no dia 16 de dezembro de 2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020, podendo, inclusive, impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei, como multa, impedimento de frequentar determinados lugares e fazer matrícula em escola, porém, impossibilitando o ente federativo de realizar a imunização à força. Restou decidido, ainda, que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação, podendo declarar a sua obrigatoriedade, conforme votos de 10 dos 11 Ministros do Supremo.
O Pretório Excelso, com o reconhecimento da constitucionalidade da vacinação como compulsória, entendeu que não há caracterização de violência à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis nem tampouco ao poder familiar, tese esta exarada com repercussão geral reconhecida no ARE n. 1267879.
Os principais temas dispostos nos votos do Ministros do STF que consubstanciaram no entendimento sobre a compulsoriedade da imunização fora: a) a concretização dos princípios da prevenção e precaução, que devem reger as decisões em matérias de saúde pública; b) a sobreposição do direito coletivo sobre os direitos individuais com a ponderação de princípios constitucionais presentes no período excepcional; c) a maximização do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida humana e; d) a defesa da prevalência do princípio constitucional da solidariedade.
A máxima do princípio da dignidade da pessoa humana é a limitadora do poder do Estado ao declarar a vacinação como obrigatória, visto que impede a inviolabilidade do corpo humano, sendo a vacinação não forçada. É nesse sentido que se extrai o trecho da Ementa da decisão do STF na ADI n. 6.586,
in verbis:
“(...) A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas. (...)”
Uma das temáticas enfrentas trata-se da obrigatoriedade da vacinação implementada por meios indiretos, como a imposição de multa administrativa, como exposto no voto do Ministro Alexandre de Moraes. Todavia, há o entendimento de que inexiste, ainda, legislação ou ato normativo suficiente para a imposição de tais multas, de maneira que a Lei n. 13.979/2020, a nível federal, apenas prevê a aplicação de multas em caso de descumprimento de medidas de prevenção, como o uso de máscaras. Bem como, o assunto é polemizado no que tange a competência dos entendes federativos para a imposição de multa em caso de não vacinação e qual será o parâmetro dos valores auferidos para as respectivas multas impostas.
Outrossim, observa-se que a ponderação entre os direitos constitucionais individuais e os direitos coletivos no que tange à saúde pública, fora realizado pelo Supremo Tribunal Federal com a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que embora tenha declarado a constitucionalidade da vacinação como compulsória, em prol da imunização da população brasileira, impediu a vacinação de forma forçada, optando por meios indiretos, que como demonstrados, ainda pendem de melhores esclarecimentos para a sua aplicação.
REFERÊNCIAS
ANVISA.
Anvisa aprova por unanimidade uso emergencial das vacinas. Disponível em: < https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-aprova-por-unanimidade-uso-emergencial-das-vacinas>. Acesso em 22. jan. 2021.
BRASIL.
Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm>. Acesso em 22. jan. 2021.
BRASIL.
Decreto Legislativo n. 06 de 2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm>. Acesso em 22. jan. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6586. Disponível em: <
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6033038>. Acesso em 22. jan. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6587. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6034076>. Acesso em 22. jan. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Recurso Extraordinário com Agravo n. 1267879. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5909870&numeroProcesso=1267879&classeProcesso=ARE&numeroTema=1103>. Acesso em 22. jan. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Plenário decide que vacinação compulsória contra Covid-19 é constitucional. Disponível em: <
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo =457462&ori=1>. Acesso em 22. jan. 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Ministro Lewandowski pede informações ao presidente da República sobre vacinação. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?id Conteudo=453974>. Acesso em 22. jan. 2021.
Julia de Almeida Machado Nicolau Mussi e Giowana Parra membros do escritório Azevedo, Pierote & Druzian – Sociedade de Advogados.